Embora pareça um capítulo de uma série de ficção científica, a Computação Quântica é uma realidade que envolve ciências da computação, matemática, física e um ramo da física em particular – a mecânica quântica.
É uma área de investigação e desenvolvimento em elevado crescimento, dado o seu grande potencial para resolver problemas complexos de modo mais rápido do que através dos sistemas tradicionais – o domínio da Inteligência Artificial (IA) é uma das áreas na qual se prevê uma enorme aplicabilidade e crescimento.
Vamos conhecer o Qubit!
O que tem de tão radical? Bem, na computação clássica existe o bit (binary digit), que pode ter o valor zero (0) ou o valor um (1). Já na Computação Quântica, o qubit (quantum bit) pode, tal como os tradicionais bits, estar no estado 0 ou 1, mas pode também existir numa sobreposição de outros estados, estar sujeito a medições incompatíveis com o seu estado, ou até estar emaranhado noutros qubits. O facto de poderem aproveitar as propriedades atrás referidas torna-os muito mais poderosos do que os bits tradicionais.
Para a construção de computadores quânticos e de outras tecnologias de informação quântica são necessários objetos que atuem como qubits. Atualmente, os cientistas já conseguem aproveitar e controlar muito sistemas físicos que atuam como qubits, o que permite combinar as diferentes tecnologias quânticas com as vantagens de cada tipo de qubit.
Muitas partículas quânticas comportam-se como pequenos ímanes. A esta propriedade dá-se o nome de spin. A orientação do spin ora aponta para cima (correspondendo ao estado 0), ora aponta para baixo (correspondendo ao estado 1). Assim se obtém um spin qubit, tal como ilustra a figura abaixo:
Qubit de spin
Outro dos meios para obter qubits é recorrer aos níveis de energia dos eletrões em átomos neutros ou iões que, no seu estado natural, ocupam o estado de menor energia possível. Se forem excitados com recurso a lasers, passam para um nível de energia superior, sendo possível atribuir ao qubit o valor 0 (estado de baixa energia) ou o valor 1 (estado de alta energia), tal como mostra a figura seguinte:
Qubit de energia
Um dos casos mais fascinantes é o dos fotões, partículas individuais de luz que apresentam um comportamento de onda ou de partícula, permitindo o seu uso como qubits de diversas maneiras. Como cada fotão tem um campo eletromagnético (onda) com uma determinada direção (a que se dá o nome de polarização), os dois estados que se usam para definir qubits são a polarização horizontal (com qubit no estado 0) e a polarização vertical (com qubit no estado 1):
Qubit por polarização
Ainda no domínio dos fotões, o caminho que um fotão faz é outro modo de definir um qubit. É possível colocar um fotão numa sobreposição de estados através da técnica de divisão de feixes. Assim, se um fotão estiver no caminho superior atribui-se o estado 0, caso contrário atribui-se o estado 1:
Qubit por divisão de feixes
Também é possível definir um qubit com recurso ao tempo de chegada do fotão, criando uma sobreposição quântica entre o estado do fotão que chega mais cedo e o fotão que chega mais tarde, atribuindo-lhes respetivamente os estados 0 e 1. Na figura ilustrativa que se segue, os estados 0 e 1 são representados através da notação de Dirac, respetivamente “|0>” e “|1>”:
Qubit por tempo de chegada
Também o uso de materiais supercondutores (que permitem a passagem de corrente elétrica sem resistência a baixa temperatura) permite criar circuitos elétricos que se comportam como qubits. Ao contrário dos métodos anteriormente referidos, estes sistemas são feitos de biliões de átomos que se comportam como um único sistema quântico.
Para definir um qubit, se a corrente fluir no sentido dos ponteiros do relógio corresponde ao estado 0, e se a corrente fluir no sentido contrário aos ponteiros do relógio corresponde ao estado 1:
Qubit por sentido da corrente
Comunicação quântica
O mundo moderno, onde se pretende que tudo esteja ligado à rede – computadores, automóveis, frigoríficos, aviões, máquinas fabris, smartphones e outros periféricos nas diferentes áreas de atividade humana, tais como a banca, a saúde, o exército, ou o ensino –, está dependente das redes de dados para a comunicação entre os diferentes sistemas atrás referidos.
Para garantir a segurança destas comunicações estão a ser desenvolvidos protocolos e algoritmos de comunicação (Quantum-Safe Cryptography - QSC), que vão aumentar significativamente o poder do mundo quântico.
Criptografia quântica
Uma das grandes ameaças ao nosso mundo conectado é a vulnerabilidade das comunicações digitais. Pessoas mal-intencionadas ou ao serviço de objetivos criminosos conseguem roubar as nossas identidades, dinheiro e informações confidenciais.
A criptografia é a ciência dos segredos, permitindo que a informação seja transmitida a grandes distâncias, mas que se mantenha secreta para outros que não o emissor e o recetor. Uma grande parte dos métodos de cifra atual baseia-se em métodos de fatorização extremamente difíceis de resolver em computadores digitais. A possibilidade de uso de computadores quânticos obriga a pensar no modo como queremos que a informação esteja segura.
Uma das formas de cifra baseada no princípio da incerteza é a QKD (Quantum Key Distribution), que permite manter a informação protegida mesmo no caso de um ataque por parte de outro computador quântico. De referir que esta cifra já está em uso por parte de algumas entidades (governos e instituições privadas), tendo sido utilizada em 2007 para proteger os resultados do processo eleitoral na Suíça.
O modo de trabalho da cifra QKD consiste em criar uma chave partilhada entre duas entidades, que seja perfeitamente segura. Uma das partes (emissor) envia qubits que se encontram em determinados estados para o recetor, que os observa ou mede. Qualquer outra entidade que interfira no processo também tem de ler ou medir estes qubits, o que deixa um rasto detetável, já que este processo é baseado no princípio da incerteza, que afirma que não é possível medir um estado quântico sem o perturbar. Se ocorrer perturbação, ambas as partes (emissor e recetor) são informadas de que devem abandonar a troca e eliminar a chave partilhada.
Teletransporte quântico
O teletransporte quântico refere-se a informação e não a matéria, usando entrelaçamento para transferir o estado quântico de uma partícula para outra, sendo que esta operação destrói o estado quântico inicial.
Já foram feitas diversas experiências científicas de teletransporte quântico com recurso a spins de iões e a fotões – como exemplo, em 2012 uma equipa internacional de investigadores de Viena e da Universidade de Waterloo teletransportou o estado de um fotão ao longo de 143 Km entre duas ilhas do arquipélago das Canárias.
Teletransporte é muito mais do que ciência divertida (não, ainda não se aplica a pessoas 😊), sendo uma parte importantíssima das arquiteturas de computação quântica, já que permite a troca de informação entre diferentes qubits.
O futuro é quântico!
Qual será o impacto da ciência e tecnologia quântica da informação?
Historicamente, todas as novas tecnologias influenciam a sociedade ao promoverem transformação e evolução. Atualmente, cientistas e engenheiros estão a tornar os dispositivos quânticos uma realidade e a impulsionar uma nova revolução tecnológica, a Era Quântica, que será o motor de inovação do século XXI.
Encontrar o potencial final desses dispositivos é limitado apenas pela nossa imaginação e o seu impacto será muito maior do que podemos prever. A próxima geração de cientistas, engenheiros, programadores e matemáticos irá proporcionar o poder do mundo quântico!
Aplicação em computação
O objetivo dos computadores quânticos é ser capaz de responder a perguntas que não podem ser respondidas por computadores clássicos, ou cujas respostas demorariam demasiado tempo a serem produzidas. Para que tal seja possível, é necessário concretizar a gigantesca tarefa de construir computadores quânticos robustos e fiáveis, e de desenvolver ferramentas de simulação capazes de compreender e responder a perguntas complexas num período razoável, levando assim ao desenvolvimento de diversos campos como a química, a biologia, a ciência dos materiais, ou a medicina. Estes avanços poderão levar a invenções dinâmicas como aviões com melhor desempenho ou melhores produtos farmacêuticos.
Engenharia de Software
Em termos de Engenharia de Software, qualquer computador quântico vai exigir estratégias de correção de erros muito sofisticadas, a criação de algoritmos para suprimir erros quânticos que estragam a magia da computação quântica, e o desenvolvimento de aplicações que possam obter o máximo de rendimento quando são executadas em computadores quânticos.
Supremacia quântica
A supremacia quântica é um conceito que se refere à capacidade de a computação quântica resolver problemas que os computadores clássicos não conseguem resolver, e pode ser alcançada de duas maneiras: desenvolvendo um computador quântico (com grande número de qubits e, ao mesmo tempo, com muito baixas taxas de erro) capaz de resolver um problema que nenhum computador clássico consegue; ou desenvolvendo um algoritmo quântico, que pode ser usado para resolver um problema mais rápido do que qualquer algoritmo clássico.
A Google tem um computador de 72 qubits, o Sycamore, enquanto a IBM tem o Osprey, de 433 qubits. Se o critério de performance fosse apenas o número de qubits, a IBM estaria em clara vantagem, mas a Google obteve um avanço enorme ao desenvolver um método de correção de erros, que permite que os computadores quânticos sejam utilizados para a resolução de problemas reais do quotidiano.
Também a D-Wave (primeira empresa a lançar um computador realmente quântico no mercado, há mais de uma década), atualmente através do seu processador batizado de Advantage, afirma já ter atingido a supremacia quântica. A IonQ também está na corrida, tendo anunciado o seu computador de 323 qubits e disponibilizado diversos serviços de computação quântica na versão cloud e/ou por subscrição. Tal como a IonQ, a Microsoft e a Amazon também disponibilizam serviços na cloud para computação quântica.
Mas não é apenas no ocidente que se progride na supremacia quântica: várias publicações de instituições provenientes da China afirmam já a terem alcançado; o Japão também está na corrida através de um agrupamento de empresas onde se incluem a Fujitsu, a Toshiba, entre outras; a Índia também concorre nesse sentido com um enorme apoio financeiro governamental.